Especulação imobiliária em Santos leva famílias de baixa renda a migrarem para outras cidades da região, segundo diagnóstico feito pelo projeto Litoral Sustentável. Situação pode ser agravada por grandes obras como a exploração de petróleo na camada pré-sal.
Altos índices de especulação imobiliária e valorização da terra, que expulsam a população de baixa renda para os municípios vizinhos e áreas de assentamento precário. Este foi o quadro encontrado na cidade de Santos pelo projeto Litoral Sustentável. A inciativa mapeou as fragilidades dos municípios que serão impactados por grandes obras, como a exploração de petróleo na camada pré-sal e as ampliações dos portos de Santos e de São Sebastião, e da Rodovia dos Tamoios, que liga a capital paulista ao litoral norte. O projeto analisou as 13 cidades de todo o litoral do Estado e traçou diagnósticos para cada uma delas. Agora será feita uma avaliação regional, que deve ser divulgada ainda este mês.
Santos é a cidade mais populosa do litoral. Segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), são 419 mil habitantes, dos quais 89,5% (375 mil pessoas) fazem parte da População em Idade Ativa (PIA), que representa as pessoas com idades entre 15 e 65 anos, consideradas aptas para trabalhar. A cidade é também a que detêm os maiores orçamento e arrecadação da região. “Santos é um polo regional, não só por conta do capital que está instalado, já que grande parte das empresas e serviços da região está lá, como também pelas questões urbanísticas. Por isto, o município polariza todas as cidades da Baixada Santista em termos de emprego”, explica a arquiteta e urbanista Danielle Klintowitz, integrante da equipe do Instituto Pólis, responsável pelo projeto.
Essa polarização é, de acordo com o diagnóstico do projeto, a principal responsável pela valorização da terra na cidade. “Como os empregos estão lá, é lá que todos querem morar. A especulação imobiliária é regida pela lei da oferta e da procura”, ressalta Danielle.
Com a elevação do preço da terra, as famílias de renda mais baixa não conseguem se fixar na cidade e acabam migrando para os municípios vizinhos, gerando um fenômeno descrito como expulsão. Esta migração forçada provoca, segundo Danielle, um aumento nas estatísticas de renda das famílias santistas. “Nas outras cidades, entre 70% e 80% dos domicílios apresentam renda de até três salários mínimos, e em Santos o percentual é bem menor”, conta a arquiteta. Apesar disso, 3% dos domicílios da cidade não possuem nenhum tipo de rendimento, enquanto 15% tem renda de até dois salários mínimos. Os que apresentam renda de dois a cinco salários mínimos são 33%. Já os com renda de cinco a dez salários e mais de dez salários são 28% e 21%, respectivamente.
Outra consequência da especulação imobiliária é a proliferação de ocupações irregulares. “Santos é um município com maior densidade construtiva da Baixada Santista. A cidade está muito ocupada e verticalizada. As pessoas que não têm condições financeiras são empurradas para fora, provocando ocupações que pressionam as áreas de preservação da região”, relata Danielle. Estes assentamentos estão principalmente nos morros da cidade, na região da serra e na zona noroeste. Em contraste com a estatística do IBGE, que aponta Santos como a cidade brasileira com a maior cobertura de coleta de esgoto, este serviço não está disponível na maior parte destas áreas de assentamentos precários.
A falta do sistema de coleta de esgoto provoca impactos ambientais negativos. “Entre a área insular e a área continental de Santos existe uma área de mangue, que está presente também em cidades como Guarujá e Cubatão. Estes remanescentes de mangue, de restinga, são fortemente ameaçados por ocupações irregulares. É fundamental que as cidades prestem atenção e pensem em maneiras de preservar e tirar essas pressões”, afirma Danielle.
O diagnóstico identificou 34 assentamentos precários na cidade, que abrigam 17,5 mil domicílios (12,12% do total) e 78,3 mil moradores (18,67% da população). Grande parte destes assentamentos está em áreas de risco, como morros, encostas e manguezais, em favelas (muitas delas em palafitas) e cortiços.
A migração forçada da população de baixa renda causa ainda problemas de mobilidade, tanto na cidade de Santos, como na malha viária das demais cidades do litoral paulista. “O número de pessoas do município que levam mais de 30 minutos no percurso de casa para o trabalho já ultrapassa a população que demora menos do que isso. É possível que grande parte das viagens sejam para fora do município. Isto causa congestionamentos tanto regionais quanto locais, porque o trânsito dessas idas e vindas se confunde com o trânsito local. Em todo o circuito regional, desde Itanhaém até Santos, as estradas passam no meio das manchas urbanas e o trânsito se mistura. Sem falar de impactos como a poluição e os acidentes”, enfatiza a arquiteta.
Todo esse fenômeno é consequência de uma legislação urbanística apontada por Danielle como permissiva. “O Brasil viveu um boom imobiliário em 2006 e 2007, por conta de várias medidas aplicadas à política habitacional do país como um todo, mas Santos é um município que tem peculiaridades. O movimento da verticalização e da especulação imobiliária de Santos é anterior. Ele parte de meados da década de 1940, quando fatos como a expansão do cacau e a instalação do porto ampliaram a disposição dos empregos, o que fez com que a população aumentasse. Desde então, a legislação propiciou a instalação de imóveis de alta renda em regiões nobres, como a parte da orla marítima.”
Na próxima etapa do projeto Litoral Sustentável serão analisados os diagnósticos e, de maneira conjunta com o poder público e representações sociais, elaboradas propostas de soluções. Para Danielle, a solução para Santos passa pela divisão da polarização com outras cidades da região e por “uma política urbana que olhe mais o território e divida melhor a população no seu próprio município, para que não ocorra esse deslocamento regional, que pode ser ampliado ainda mais por conta principalmente do pré-sal”. (Envolverde)