terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A cura no jardim



A ciência perde o preconceito e estuda com seriedade o poder dos remédios à base de plantas
 

Tomar um chá para acalmar a dor de estômago, os sintomas da gripe ou aplacar a insônia é um hábito mais do que antigo. Mas a crença de que uma simples planta funcionava para tratar uma doença aos poucos foi substituída pelo forte apelo dos remédios químicos, que atraíam os pacientes com a promessa de uma cura rápida e total. Esse quadro, no entanto, começa a mudar. Embora as drogas sintéticas continuem maioria na farmácia caseira, os medicamentos à base de plantas – os fitoterápicos – ganham um espaço cada vez maior na prateleira. Prova disso é que as vendas desse tipo de remédio são surpreendentes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1980 o mercado mundial de fitoterápicos e produtos naturais movimentou US$ 500 milhões. Para o ano 2000, porém, a previsão é de que só a Europa registre um volume de vendas de US$ 500 bilhões. No Canadá, as vendas crescem 15% por ano, enquanto nos Estados Unidos esse número chega a 20%. No Brasil não há estatísticas, mas o Herbarium, de Curitiba, um dos maiores laboratórios do gênero no País, registrou um aumento de 20% na comercialização de remédios à base de plantas nos últimos dois anos.

Dois fatores explicam esse crescimento. O primeiro é o desejo de encontrar uma alternativa aos medicamentos sintéticos, em geral carregados de efeitos colaterais. O segundo, e o mais importante, é o respaldo cada vez mais sólido que a ciência está oferecendo às drogas à base de ervas. A partir da constatação de que a sabedoria popular de fato tem fundamento, muitos pesquisadores deixaram o preconceito de lado e partiram para estudos mais profundos sobre o poder medicinal das plantas. No Brasil, há vários cientistas empenhados nessa tarefa. Uma pesquisa realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovou a eficácia da artemísia contra a malária e já há negociações com laboratórios para a produção de um remédio à base da erva. "É indicada para os casos em que a terapia convencional não funciona mais", explica o farmacologista João Ernesto de Carvalho. Na mesma universidade, outras dezenas de plantas estão sendo estudadas. Uma delas é a candeias, originária do cerrado, que já teve sua ação contra úlcera comprovada em animais. Outra é a sucupira, com atividade anti-inflamatória em animais, mas com sinais de ser tóxica para o fígado. Além disso, há outros dois projetos, mais ambiciosos: investigar plantas que podem ter ação contra o câncer. Foram escolhidas 40 espécies (20 da Amazônia e 20 do cerrado). As espécies selecionadas fazem parte de famílias, por exemplo, que apresentem alguma ação contra infecções, seja de acordo com o conhecimento popular ou segundo a literatura especializada. No Sul, outra frente também trabalha com plantas na busca de saídas contra o câncer. O oncologista Gilberto Schwartzmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, já pesquisou mais de 1,5 mil espécies. Dessas, 12 foram enviadas para o Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, para ser testadas in vitro. Uma já mostrou sinais de atividade em animais. "Remédio é bom de onde vier, mas a natureza tem substâncias que o homem não é capaz de fazer. É mais original em estrutura química que o ser humano", diz Schwartzmann.

......No Rio de Janeiro, a prestigiada Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) abriga há três anos o Laboratório de Química de Produtos Naturais, com o objetivo de desvendar o lado científico das plantas. No centro, cada farmacêutico trabalha com determinadas ervas. Terezinha Tomassi, por exemplo, estuda uma planta do Pará chamada camapu. Usada contra hepatite, malária, leishmaniose, teve suas propriedades confirmadas no laboratório. "Russos e japoneses estão trabalhando com a planta à procura de uma atividade imunológica que poderia ser usada no tratamento da Aids", diz Terezinha. Já o farmacêutico José Luiz Pinto Ferreira estuda plantas que a população usa. Capim-limão, picão e babosa são algumas ervas de sua lista. "O capim-limão é utilizado como calmante e para problemas respiratórios. O picão combate a hepatite, a babosa é hidratante e, internamente, laxativa", explica Ferreira.

Nesse esforço, até satélites estão sendo usados. Com a ajuda da área de monitoramento por satélite da Embrapa, é possível conhecer os melhores locais onde cultivar espécies naturais de outros países, localizar regiões ricas em biodiversidade e identificar onde estão algumas das plantas mais visadas para exploração por causa de seu potencial medicinal. "Sabendo onde elas ocorrem, é mais fácil preservá-las", explica Evaristo de Miranda, pesquisador do órgão.

Tudo isso é resultado da curiosidade científica – afinal, plantas são usadas como remédios há milênios – em separar o que realmente funciona do que é folclore. Na Amazônia, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá conduz o primeiro estudo clínico do País sobre a eficácia da pata-de-vaca no tratamento do diabetes tipo II – os pacientes não dependem de injeção de insulina. A planta é utilizada contra a doença há 100 anos, mas de forma empírica. Agora, dos 160 pacientes do Programa de Avaliação e Controle do Diabetes tipo II, como é chamado o projeto, cerca de 90% dos que se submetiam ao tratamento convencional substituíram gradativamente os remédios alopáticos – fabricados pela grande indústria farmacêutica – por um conjunto de plantas que tem como carro-chefe a pata-de-vaca. Manipulada na forma de chá, cápsulas e tinturas (diluída), a planta reduz a quantidade de glicose no sangue. "É uma tecnologia simples, com matéria-prima abundante e barata contra uma doença crônica como o diabetes", explica Augusto Carvalho, diretor do Centro de Plantas Medicinais e Produtos Naturais do Iepa. Para os doentes, o principal benefício é a ausência de efeitos colaterais. Dona Mariana, 72 anos, por pouco não largou a terapia convencional porque se sentia muito mal. Orientada por uma enfermeira, ela chegou ao Iepa com a pressão 20 por 9 e a taxa de açúcar de 466. Hoje, tem pressão normal e um mês depois de tomar o chá sua taxa de açúcar caiu para 140 (o normal é 110). "Antes tudo o que colocava na boca amargava. Era uma tristeza. Consigo as folhas de pata-de-vaca no instituto e fica mais barato. E eu mesma faço meu remédio", diz ela. Normalmente, a ciência confirma o que reza a tradição popular. Segundo as pesquisas da extinta Central de Medicamentos, do Ministério da Saúde, o extrato de maracujá é realmente calmante e o chá de quebra-pedra tem mesmo a capacidade de ajudar o organismo a expelir pedras nos rins e na vesícula.

Há, no entanto, outro motivo que justifica o rigor científico com as plantas. Desde 1995, o Brasil conta com uma legislação que pretende colocar ordem no mercado dos remédios naturais (os laboratórios têm prazo de dez anos para responder às exigências). Entre as determinações, está a proibição de fazer coleta predatória das plantas nas áreas de ocorrência natural e a proibição do uso da maioria dos agrotóxicos nas culturas das plantas com fins medicinais. A portaria também detalha como o medicamento precisa ser testado em sua toxicidade, em animais e depois em seres humanos. No entanto, muitos dos remédios que estão no mercado não foram submetidos à análise da Secretaria de Vigilância Sanitária, responsável pela sua liberação. O problema é que o órgão possui 90 dias para avaliar os pedidos de registro, mas é incapaz de cumprir o prazo. Por isso, os fabricantes colocam seus produtos no mercado por força de liminares e o resultado é que vários fitoterápicos estão nas prateleiras sem o aval do Ministério. Hoje, existem na fila para ser aprovados mais de dois mil medicamentos. Apenas 600 deles são fabricados por empresas que têm autorização de funcionamento do Ministério.

Os laboratórios mais respeitados estão se esforçando para cumprir os prazos. No Herbarium, laboratório responsável pela comercialização de 150 produtos à base de plantas, há um rigor técnico principalmente no que diz respeito ao controle de qualidade. As ervas vêm de produtores confiáveis, mas mesmo assim passam por avaliações químicas para checar se não há misturas ou adulterações. Do laboratório, duas novidades que estão fazendo sucesso: a equinácea, contra gripes e resfriados, e o hipérico, antidepressivo.

A primeira é um dos fitoterápicos mais conhecidos e utilizados nos Estados Unidos. Nativa da América do Norte era utilizada pelos índios americanos para combater diversas doenças, desde uma simples tosse até infecções e mordidas de cobras. Hoje, é usada para melhorar o sistema imunológico e por isso é eficiente contra gripes e resfriados. Já o hipérico (também conhecido como St. Johns Wort ou Erva de São João), floresce em vários lugares do mundo. A planta atua em neurotransmissores (substâncias existentes no cérebro responsável pela comunicação entre neurônios) que interferem nos estados de depressão. "Os antidepressivos sintéticos têm efeitos colaterais. O único problema associado ao hipérico é uma foto sensibilidade em pessoas de pele clara", diz Anny Trentini, farmacêutica do Herbarium.

Quem precisa recorrer aos Prozacs da vida pode desconfiar de um remédio a partir de plantas. Mas relatos como o da culinarista Helecir Bernabé, 58 anos, surpreendem. Há quatro anos, ela entrou em depressão e, em seis meses, perdeu 17 quilos. Passou dois anos tomando antidepressivos alopáticos até que um dia, com o incentivo da família, trocou as pílulas pelo hipérico. Seu médico torceu o nariz para a decisão e fez um prognóstico assustador. "Ele disse que esse remédio era bobagem e que eu corria o risco de entrar em paranoia", lembra. Mas o resultado foi o contrário. "O medicamento me deu tranquilidade de forma natural. Recuperei meu peso e hoje eu o tomo quando estou ansiosa", conta.

Visto por olhos céticos, esse tipo de história pode parecer mais um daqueles contos milagrosos. No entanto, toda a farmacologia começou a partir de substâncias extraídas das plantas. Atualmente, pelo menos 25% dos medicamentos alopáticos derivam de ervas. A Aspirina, por exemplo, originalmente foi extraída de uma planta, a Salix alba (daí o nome ácido salicílico). A morfina veio da papoula. O Taxol, remédio contra câncer de mama, foi produzido a partir de uma árvore chamada teixos. Mas, embora possam ter uma mesma matéria-prima, a diferença entre os remédios alopáticos e os fitoterápicos é grande. No caso dos primeiros, é extraído da planta o que os cientistas chamam de princípio ativo. É a substância que terá o efeito desejado contra um determinado mal. Essa substância passa por um processo de "purificação" até que se torne uma molécula simples, de fácil identificação. A ela, muitas vezes, é incorporado outro leque de componentes fabricados em laboratório. Com isso, aumenta-se o poder de ação, mas também os efeitos colaterais. Os remédios à base de plantas, ao contrário, contêm um complexo fitoterápico. Ou seja, formam um aglomerado de substâncias naturais que agirão conjuntamente. Por isso, muitas vezes uma planta serve para combater diversos males. "Uma das vantagens dos fitoterápicos é que estimulam uma resposta mais rápida do organismo contra a doença", afirma o fito terapeuta Luiz Antônio da Costa, de Curitiba. Prova disso é que muitas ervas saem do campo do naturalismo e passam a fazer sucesso mesmo entre os médicos alopatas. Um bom exemplo é a ginkgobiloba, planta de origem chinesa que vem mostrando excelentes resultados contra problemas circulatórios. A dona de casa Maria de Jesus Barreto, 64 anos, resolveu sua labirintite com a ginkgobiloba. "O médico alopata receitou a planta. Não conseguia fazer nada sozinha. Quando me levantava, girava tudo. Agora acabou o problema", conta.

O problema dos fitoterápicos é que faltam especialistas qualificados para receitá-los (e, como medicamento, deveriam ser receitados por médicos). Há pouquíssimos fitos terapeutas (em geral formados em cursos de extensão ministrados por institutos de homeopatia) e, por isso, a melhor forma de evitar equívocos com a automedicação é recorrer aos homeopatas ou a médicos naturalistas. Se tomadas sem orientação, plantas também são perigosas. A losna, por exemplo, indicada contra males do fígado, pode causar malformações fetais e convulsões. Portanto, é preciso estar atento e acabar com a crença de que remédio natural pode não fazer bem, mas mal também não faz. Mas enquanto o número de fito terapeuta não cresce, iniciativas isoladas tentam responder à demanda. Na unidade do Paraná da Klabin, Fabricador de Papel e Celulose, funciona desde 1984 um programa de fito terapia responsável por uma média de 28 mil atendimentos por ano. Todo o projeto está voltado para o tratamento de cinco doenças comuns entre os usuários (gripes e resfriados, ferimentos e lesões de pele, problemas no aparelho digestivo, diarreia e hipertensão arterial leve). "A fitoterapia eleva o nível de satisfação dos funcionários", diz a farmacêutica industrial Loana Johansson, responsável pelo programa.

Ao mesmo tempo, pelo menos quatro mil municípios possuem sistemas de distribuição de fitoterápicos. Em Vitória, o serviço funciona há um ano e meio. Em um laboratório montado pela prefeitura, são produzidos remédios a partir de 16 plantas. Os remédios são receitados por médicos treinados. "Apresentamos o que há na literatura científica para que o médico possa acreditar", explica Henriqueta do Sacramento, coordenadora do serviço. Essa chancela da ciência é importante também para o usuário. "Sinto que é um trabalho decente, um médico mesmo que receita os remédios", diz o comerciante Alexandre Simões, 37 anos, usuário do programa, ele venceu um problema de ácido úrico elevado com a ajuda da planta chapéu-de- couro e uma bursite (inflamação no ombro) tomando mentrasto. O depoimento e os problemas de saúde tratados de Simões podem parecer singelos. Mas são um ótimo indicativo de como a ciência, aliada à sabedoria popular, é a melhor receita para melhorar a saúde.

CARLA GULLO E CILENE PEREIRA

 

 

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