sábado, 18 de janeiro de 2014

Como avaliar seus sonhos



Uma das coisas que mais me intriga são os meus sonhos. Raramente consigo me lembrar deles, e quando o faço, são indecifráveis. Viro-os do avesso, e disseco suas imagens como um esmerado patologista, mas muito pouco consigo extrair deles. Há ironia em tudo isso? É que dediquei boa parte da minha vida a estudar os mecanismos dos sonhos e a interpretar os sonhos das pessoas.
Cheguei até a ter um programa de TV onde fazia isso ao vivo. Às vezes penso que se existe algum "gerente do inconsciente", o meu se diverte comigo ao mesmo tempo que se vinga por eu ser um danado de um fuxiqueiro que fica desvelando o que talvez ficasse melhor do jeito que está, camuflado por imagens bizarras e enigmáticas.
Comecei a me interessar pelos sonhos há cerca de vinte e tantos anos, quando percebi um mecanismo a que dei o nome de contágio. Estava dormindo e sonhei algo ligado à perseguição. No mesmo instante a minha mulher ao meu lado levantou-se na cama gritando pela mãe, e o meu filho que dormia no quarto ao lado, me chamou, pois estava tendo um sonho ruim, onde eu era perseguido. Minha mulher relatou que o seu sonho também envolvia uma perseguição (mas eu é que era o perseguido).
Com o passar do tempo fui desenvolvendo a teoria de que na verdade não existe o sonho, como entidade única e indissolúvel, mas sim, sonhos, fenômenos diversos, que só têm em comum o fato de se projetarem na mesma tela, e só ocorrerem em determinado estado de consciência.
Por isso sempre recomendo cautela com os manuais de interpretação de sonhos, onde há listas de "símbolos" e sua significação. Nem sempre sonhamos conotativamente, muitas vezes os sonhos são expressões literais, denotativas, e sem significados ocultos para serem interpretados. Uma menina sonhou que o dente havia caído. Sua mãe preocupada, pensou "sonhar com dente caído é morte de parente". Passou o tempo, e nenhum parente morreu, em compensação, a menina acordou uma noite chorando com dor de dente. Estava com o abscesso e teve que ir ao pronto-socorro, onde o dente foi extraído. Muitas vezes, os sensores corporais do nosso inconsciente, captam problemas com a nossa máquina somática, e projetam esse problema na tela onírica.
Porém, como o inconsciente não fala, não usa nenhuma das muitas línguas disponíveis no mercado, a tendência é alegorizar, travestir o fato em uma imagem mais ou menos fantasiosa. Freud explica esse mecanismo de metabolização teatral dos fenômenos oníricos, como um programa que usa o sonho para proteger o sono. Assim se você estiver dormindo e o escapamento de um carro der um "tiro" na rua, para não acordá-lo (uma vez que o seu ouvido capta esse som e o envia ao cérebro), o sonho imediatamente (quase que simultaneamente) transforma o "tiro" num ruído no meio de tantos numa guerra onde você se meteu não sabe como e nem por quê. Um tiro no meio de uma guerra, é bem contextualizado, e não há por que acordar.
Freud conta a experiência que ele fez comendo arenque defumado. Como sabemos é um peixe extremamente salgado, e ele comeu muito, a noite antes de dormir. Naturalmente seu corpo clamava por água, e ele sonhou que estava num deserto, arrastando-se sedento em busca de uma fonte. Quantos de nós já sonhamos que estávamos fazendo xixi na privada, e para desgosto profundo descobrimos que nem sequer saímos da cama (mas agora teríamos que sair de qualquer jeito). Na verdade, esse mecanismo de proteção do sono, na maioria das vezes é o que cria as maiores dificuldades na interpretação dos sonhos, e nem sempre protege de verdade o nosso sono.
Há pelo menos cinco espécies de sonhos diferentes, ou pelo menos de diferentes origens.
Roberto Goldkorn

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