Sim, eu queria não enxergar os
remendos, a feiura, a sujeira do mundo. Queria ter em mente a imaginação
infantil e a fantasia de que tudo é cor de rosa, belo e perfeito.
Conforme crescemos, vamos perdendo o véu do olhar e nos são desvendado
os cantos escuros e os porões atravancados. Conforme crescemos, esquecemos-nos
de olhar as coisas – e as pessoas – com amor e compreensão para ver nelas os
defeitos, os deslizes e as imperfeições.
Não quero mais ter este olhar de gente
grande. Quero aquele olhar em que o céu é azul todos os dias. Quero ver fadas e
cavaleiros ao invés de pessoas comuns, quero o brilho do olhar e a singeleza da
alma.
Quero enxergar meus móveis como
enxergava os móveis de barro vermelho que construía para brincar com as
bonecas. Quero ver meus apetrechos de cozinha como os que usava para preparar
comidinhas de água, açúcar e miolo de pão: panelinhas, pratinhos, xícaras e
bules em miniatura.
Não quero mais ter este olhar de gente
grande porque ele me mostra o mundo como um jardim devastado e eu quero o
jardim coberto de flores, visitado por borboletas e passarinhos que trazem mensagens
dos duendes e colorem a vida e o coração.
Quero brincar de princesa, castelo e
dragões cuspindo fogo pela boca que depois são mortos pelo herói mais bonito do
reino. Não quero ver a mulher pedindo esmola, a favela ocupada, o bandido
sanguinário e não quero enxergar o moço fazendo malabarismo nos semáforos.
Vamos brincar de roda, dando-nos as
mãos em solidariedade. Vamos estender uma rede de um lado a outro da rua e
chamar os vizinhos para uma partida de vôlei. Vamos brincar de esconder com
nossas crianças, entrando na fantasia de que podemos nos tornar invisíveis se
assim o quisermos.
Não quero mais ter este olhar e nem
estes ouvidos de gente grande. Quero ouvir a música do afiador de facas e o som
do apito do vendedor de picolés e correr atrás deles de casa em casa até
desaparecerem na esquina. Não quero o barulho de tiros ou o choro das crianças
amedrontadas.
Eu quero muito ver o mundo com o olhar
de uma criança. Um mundo repleto de caminhos que nos levem a viver aventuras
divertidas e depois nos tragam de volta para casa, felizes e seguros. Um mundo
em que possa sonhar com super heróis que combatem piratas e bruxas e que sempre
vencem.
Não quero mais ter este olhar de
adulto. Quero olhar tudo com o olhar da criança que fui e acreditar que o
futuro promete felicidade e sonhos realizados.
E que me traga de volta a certeza de
que o bem sempre vence o mal, para que possamos viver felizes para todo o
sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário