Karma e Dharma
Sob o ponto de vista de quem atravessa um momento de sofrimento agudo em sua existência, nada pode ser mais inoportuno e desagradável do que alguém racionalizar ou tentar “explicar” as causas de sua dor com base em eventos passados nesta ou em alguma vida pregressa.
A racionalização em momento inoportuno, longe de causar alívio, pode até mesmo aumentar o sofrimento e a revolta do sofredor, por ver alguém racionalizando friamente sobre seu sofrimento, em um momento em que desejaria receber conforto, empatia e calor humano.
O Karma e o Dharma (respectivamente, a causa e o propósito dos eventos) devem ser estudados sim, mas em situações prévias de estabilidade e de normalidade. Jamais devemos atormentar um sofredor com racionalizações e explicações em um momento de sofrimento intenso.
Karma: Para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário". Neste caso, para toda ação tomada pelo Homem ele pode esperar uma reação. Se praticou o mal então receberá de volta um mal em intensidade equivalente ao mal causado. Se praticou o bem então receberá de volta um bem em intensidade equivalente ao bem causado. Dependendo da doutrina e dos dogmas da religião discutida, este termo pode parecer diferente, porém sua essência sempre foca as ações e suas consequências.
Dharma: significa "Lei Natural" ou "Realidade". Com respeito ao seu significado espiritual, pode ser considerado como o "Caminho para a Verdade Superior".Como doutrina moral sobre os direitos e deveres de cada um, o Dharma se refere geralmente ao exercício de uma tarefa espiritual, mas também significa ordem social, conduta reta ou, simplesmente, virtude.
Mas não há dúvida de que esses temas são importantes e sua compreensão prévia pode auxiliar o sofredor na compreensão e na absorção de seu sofrimento.
A maior contribuição do pensamento oriental ao Ocidente foi a noção de Karma como um encadeamento de causas pretéritas formando o cenário e as condições de nossa vida presente. A palavra Karma já está definitivamente incorporada ao vernáculo de todas as nações ocidentais, e mesmo as pessoas que não se identificam com a filosofia oriental ou com o movimento espírita sabem o que significa essa palavra e falam fluentemente sobre o Karma, embora de forma muitas vezes simplista e distorcida. O pensamento comum supõe que um Karma seja uma espécie de operação aritmética de soma e subtração, quando, na verdade, é uma função integral ultracomplexa em que um conjunto de causas interagem holograficamente para gerar um efeito.
E há outra questão ainda mais complexa: O conceito de Karma foi introduzido no Ocidente sem o conceito complementar e associado ao Karma e que é o Dharma .
A única explicação para esse fato é que o Dharma constitui um conceito ainda mais complexo e sutil do que o próprio Karma. A própria diversidade na tradução da palavra Dharma já é um indício dessa complexidade.
Há muitas traduções, sem que nenhuma delas consiga transmitir em sua plenitude o significado original do sânscrito Dharma : retidão, dever, religião, evolução, conduta correta, preceitos, moral, ensinamento etc.
De fato, todas essas traduções são incompletas. Como princípio complementar ao Karma, o Dharma pode ser compreendido como a linha de tendência que devemos seguir rumo à verdade, sendo essa linha de tendência resultante do alinhamento do nosso carma em uma determinada direção, que é o propósito e o rumo de nossa existência. O Karma é composto por muitas linhas divergentes e conflitantes decorrentes das diversas ações harmônicas e desarmônicas que cometemos no passado.
A linha de tendência resultante de todas essas múltiplas ações aponta numa determinada direção e assume um determinado propósito alinhado com a ordem divina do universo e de nossa vida em particular. Essa direção é o Dharma .
O Dharma é aquilo que os cristãos (particularmente os protestantes) costumam chamar de “O Plano de Deus para nossa vida”. Para atingirmos o nosso Dharma, temos de navegar nas “ondas” revoltas do Karma, até que essas ondas estejam todas alinhadas e não exista mais diferença entre o karma e o dharma. Quanto mais anulamos o nosso Karma, mais tomamos consciência do nosso Dharma e mais alinhamos nossa vida com ele.
Todavia, mesmo a pessoa que está vivendo uma fase de turbulência existencial e intenso sofrimento, está trabalhando simultaneamente seu dharma, com a diferença de que está navegando uma onda periférica e prioritária, ilusoriamente afastada do curso normal de sua existência, o que não é verdade se virmos o fato no plano espiritual. É como um motorista numa estrada que se afasta da via principal para trocar um pneu ou reabastecer o seu veículo. Logo que essa operação for concluída, ele retorna à via principal. Naquele momento específico de sua viagem, a operação de troca dos pneus ou de reabastecimento foi mais importante do que seguir o curso normal da viagem. Para quem não conhece seus reais objetivos, o afastamento da estrada pode parecer uma insanidade.
A grande dificuldade para se entender esse conceito é que, na vida real, nem mesmo o próprio viajante conhece os objetivos e os desvios de percurso. As coisas parecem simplesmente acontecer impulsionadas por uma força desconhecida.
O conhecimento do Karma e do Dharma facilita a compreensão desse processo, mesmo com o desconhecimento das forças causais e das linhas de tendência futura, que estão operando a cada instante, mudando o panorama de nossa vida e trazendo novas situações agradáveis ou desagradáveis.
Está claro para todos que os eventos penosos que ocorrem em nossa vida constituem uma manifestação do Karma, a colheita de causas passadas. A colheita dos frutos amargos, cujas sementes plantamos nesta ou em existências pretéritas.
O que não está tão claro é que o sofrimento tem também um propósito Dhármico, tem o objetivo de eliminar o Karma e de direcionar a alma para determinada direção, produzir maior sensibilidade e empatia. Só na escola do sofrimento é possível desenvolver empatia com os que sofrem dores semelhantes às nossas. Os seres dotados desse tipo de empatia, caso não estejam sofrendo na situação presente, já sofreram dores atrozes no passado, tendo, através disso, adquirido a empatia de forma permanente.
Os grandes seres benfeitores da humanidade tem esse sentimento de empatia de forma permanente e em um grau extraordinariamente alto. Em função disso, sofrem intensamente todas as dores da humanidade. O sofrimento intenso e universalizado desses grandes seres é, todavia, neutralizado e equilibrado por uma sensação de êxtase advinda da percepção da unidade da vida e da percepção consciente de que o glorioso plano abrange todas essas distorções localizadas e particulares. Essa mescla de sentimentos e percepções faz com que os grandes avatares sintetizem o sofrimento e o êxtase em uma sensação unificada e fora da nossa compreensão, como se o sofrimento fosse o travo amargo de um vinho tinto saboroso. Diziam os antigos, com uma sabedoria que ultrapassa as próprias palavras: “O vinho é amargo, mas tem o sabor da vida”.
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